Frente
à grande diversidade das culturas indígenas no Brasil, seria
impossível estudar cada uma em particular, devido também (e
principalmente) à precariedade dos dados disponíveis. Além do
mais, a existência de uma tradição construtiva não significa
necessariamente que se possa apresentar uma única solução
arquitetônica. Com o passar do tempo, as formas arquétipas deram
origem a uma série de variantes, o que faz com que o número das
soluções se potencialize. Por isso nos limitaremos a algumas das
tipologias já estudadas e que poderão servir de ilustração da
grande variedade de tipologias existentes ou extintas.
A CASA-ALDEIA [HABITAÇÃO UNITÁRIA]
A CASA-ALDEIA [HABITAÇÃO UNITÁRIA]
A
forma mais simples de organização da aldeia é da casa unitária,
em que toda a tribo vive num só teto. É o caso dos tucanos, que
habitam a fronteira entre Brasil e Colômbia. Essa casa tem um
formato retangular, com um dos lados menores fechado por uma
semicircunferência. A cobertura é de duas águas, que chegam quase
até o solo, permitindo a presença de paredes da altura de uma
pessoa. A casa tem duas portas, uma na fachada principal, que da para
o rio, e a outra nos fundos, dando para as plantações. O interior é
dividido por biombos de folhas de palmeira trançadas, formando
nichos. Cada nicho é ocupado por uma família nuclear, e distribuído
segundo o status que a família ocupa na comunidade. A parte central
da construção é dividida em duas partes fundamentais: a da frente,
pintada de amarela, é reservada para os homens, e a de trás,
pintada de vermelho, é própria das mulheres.
Outro
exemplo de casa unitária é a dos índios pano, habitantes do Alto
Solimões. A casa é implantada no alto de uma colina, e ao seu
redor, em círculos concêntricos, situam-se o pátio externo, as
roças e os limites da floresta. Junto à entrada principal existem
dois longos bancos paralelos que servem para os homens e meninos
fazerem suas refeições, assim como para as assembléias cerimônias
de xamanismo. Depois dos bancos há um corredor espaçoso onde as
mulheres fazem sua refeição. Também é o loval
onde ocorrem os ritos cerimoniais. Em ambos
os lados desse corredor/ sala há nichos onde são encontrados os
pertences de cada família nuclear, como redes, fogão, cerâmicas e
apetrechos de cozinha.
Os
Marubos também apresentam uma habitação unitária, porém algumas
funções complementares são transferidas para construções menores
que circundam a casagrande.
Uma forma um pouco mais complexa é apresentada pela casa dos Yanomâmis, habitantes da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Também constroem uma casa unitária (Shabono), que abriga de 50 até quase 200 habitantes. A casa é queimada após dois anos de uso, por causa do apodrecimento das folhas ou o acumulo de insetos, assim como por motivos de ordem social, como os constantes reagrupamentos das comunidades que estão sujeitas a constantes agregações e separações de unidades familiares.
Uma forma um pouco mais complexa é apresentada pela casa dos Yanomâmis, habitantes da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Também constroem uma casa unitária (Shabono), que abriga de 50 até quase 200 habitantes. A casa é queimada após dois anos de uso, por causa do apodrecimento das folhas ou o acumulo de insetos, assim como por motivos de ordem social, como os constantes reagrupamentos das comunidades que estão sujeitas a constantes agregações e separações de unidades familiares.
AS ALDEIAS COM HABITAÇÕES MÚLTIPLAS
A forma mais comum de assentamentos indígenas são as aldeias formadas por varias construções. A cultura mais estudada que adotou esse tipo de solução é a tupiguarani. Originária do médio Amazonas, essa cultura tem representantes desde o Alto-Solimões até as bacias do Paraguai e do Uruguai (onde são conhecidos como guaranis). O que tornou essa cultura a mais conhecida foi a crença no Mirá, paraíso terrestre tido como situado nas terras do sol nascente. Em conseqüência de vários movimentos messiânicos que surgiam “naturalmente” quando a tribo se tornava muito grande, uma parte da população iniciava peregrinação ruma ao leste que terminava com a chegada ao oceano. Não podendo mais continuar com a caminhada, acabavam por ocupar toda a costa, do Oiapoque ao Chuí, o que levou os europeus a acreditar que era a única cultura existente no país na época da chegada.
A forma mais comum de assentamentos indígenas são as aldeias formadas por varias construções. A cultura mais estudada que adotou esse tipo de solução é a tupiguarani. Originária do médio Amazonas, essa cultura tem representantes desde o Alto-Solimões até as bacias do Paraguai e do Uruguai (onde são conhecidos como guaranis). O que tornou essa cultura a mais conhecida foi a crença no Mirá, paraíso terrestre tido como situado nas terras do sol nascente. Em conseqüência de vários movimentos messiânicos que surgiam “naturalmente” quando a tribo se tornava muito grande, uma parte da população iniciava peregrinação ruma ao leste que terminava com a chegada ao oceano. Não podendo mais continuar com a caminhada, acabavam por ocupar toda a costa, do Oiapoque ao Chuí, o que levou os europeus a acreditar que era a única cultura existente no país na época da chegada.
Aldeias
semelhantes com as tupi-garani podem hoje ser encontradas na Amazônia
e em pouco divergem de uma forma comum que é a existência de quatro
construções, ortogonais entre si e ordenadas de modo que formem uma
grande praça quadrada. Cada uma dessas casas é chamada de oguassu,
maioca ou maloca
(casa grande) e é dividida internamente pela
estrutura do telhado em espaços quadrados de 6 metros por 6, onde
mora em cada uma delas uma família celular. Esse espaço é
denominado oca (tupi)
ou oga (guarani). O
tamanho de cada casa depende do tamanho da tribo, podendo chegar a
mais de 200 metros de comprimento. O mais comum, no entanto, é que
não passem de 150 metros de comprimento por cerca de 12 de largura.
A forma de vida desses indígenas era dominantemente sedentária. Se
uma casa ficava velha, era queimada e outra de igual formato era
construída em seu lugar. Em razão disso, a forma de habitar era
muito controlada, respeitando-se ainda a vivência dos demais
habitantes da casa.
A
casa era o espaço preferencial das mulheres. Ali elas exerciam suas
atividades domésticas e no “corredor” central, junto aos pilares
que sustentam a cumeeira, preparavam a comida. Ao fim desse corredor
havia uma porta em cada extremidade da maloca, e no meio da casa, no
lado que dava para o pátio, havia uma terceira. Essas portas eram
baixas, obrigando cada indivíduo a se abaixar em sinal de respeito.
A
praça central, delimitada por quatro casas-grandes, representava a
unidade indissolúvel da tribo, e lá eram realizadas as cerimônias
tribais. Em seu centro se reuniam os homens para decidir as
atividades que seriam realizadas no dia, como a pesca e a caça, e
por vezes abrir uma clareira, que servia para a prática da
agricultura (de exclusiva competência feminina). As atividades
exercidas pelos integrantes de cada sexo eram tabus, o que fazia com
que uma parte jamais interferisse na outra.
Outras
tribos lançavam mão de um número ainda maior de construções.
Como o numero de integrantes de uma tribo era mais ou menos constante
(entre 300 e 700 indivíduos, em condições normais), o número de
casa era inversamente proporcional ao seu tamanho.
A
construção de aldeias com um grande número de casas é uma das
características do grupo Jê que pode ser exemplificada com a dos
Xavantes. Esses índios habitavam aldeias formadas por duas a três
dezenas de casas que se dispunham de forma semicircular, em torno de
um pátio cerimonial denominado warã. A distância entre duas
casas era de alguns metros, salvo a hö, a casa dos jovens em
fase de iniciação, localizada numa das extremidades da “ferradura”,
que mantinha uma distância dupla ou tripla das demais casas. As
casas eram implantadas em terreno de chão batido, que também era o
acabamento do warã. Entre essas duas faixas havia um gramado,
cortado por trilhas que ligavam cada casa ao pátio cerimonial. Deste
saía o caminho principal, para o rio, que ficava a certa distância.
Esse caminho era muito utilizado tanto pelos homens quanto pelas
mulheres, dada a importância do rio na vida da tribo. Pelo lado
externo da “ferradura” havia grande número de caminhos que
levavam as roças.
A
casa xavante é de planta circular, com um diâmetro de cerca de 5 a
6 metros, e sua forma é de uma cúpula levemente apontada. Dada a
complexidade de suas relações socioculturais, a vida dessas tribos
exigia um alto grau de mobilidade, o que acarretava constantes
deslocamentos. Por conseqüência, as casas tinham uma utilização
curta, edificadas por meio de uma técnica muito simples, quase
descuidada. Nesses deslocamentos, que podiam envolver toda ou apenas
parte da tribo, instalavam-se acampamentos temporários que, por seu
uso ainda mais breve, eram de uma feitura extremamente simples,
embora conservassem a forma da aldeia-base para a qual toda a tribo
retornava após as peregrinações. Esses procedimentos demonstram
que a base de sustentação do grupo era a recoleta, cargo das
mulheres, o que não permitia um grande desenvolvimento da
agricultura. A caça (realizada pelos homens) era altamente
valorizada, ao contrário da pesca, praticada esporadicamente.
Os
índios Karajás, do mesmo grupo lingüístico e ocupantes das
margens do rio Araguaia, desenvolveram uma forma de aldeia ainda mais
complexa. Como o rio esta sujeito a uma época de cheias e outra de
estiagem, no período das chuvas construíam casas de uma sólida
estrutura, constituídas por 3 arcos paralelos, cada um formado por
um par de varas fincadas no chão e vergadas para que possam ser
amarradas, em suas extremidades, na cumeeira.
Essa
casa era construída em duas filas, paralelas ao rio, e a uma
distância mínima de 30 metros das barrancas do rio. Os primeiros 10
metros junto ao rio eram sombreados por grandes mangueiras, e o
restante era usado para descanso e convívio no fim da tarde. As
casas, cujo número podia exceder a meia centena, eram separadas por
uma praça central de cerca de 5 metros de largura; o comprimento,
que correspondia ao da aldeia, podia ultrapassar a distância de 600
metros. Apesar dessa centralização, cada casa tinha sua abertura
voltada para o rio, que permanecia como centro referencial da vida da
aldeia. Isso significa que, apesar da semelhança formal, essa
“praça” não assumia função semelhante à de nossas ruas
urbanas. A construção de casas era uma função exclusivamente
masculina, muito embora a “propriedade” das casas fosse feminina
e a ordenação delas na aldeia obedecida. Á semelhança dos
Xavantes, cada casa era habitada por uma família extensa, formada
por algumas poucas famílias nucleares.
Por
suas dimensões continentais, o Brasil contém uma grande diversidade
de ecossistemas, o que resultou no aparecimento de uma grande
variedade de soluções arquitetônicas para a moradia. Uma das mais
interessantes foi a das casas subterrâneas e semi-subterrâneas,
espalhadas por toda a América. No Brasil foram construídas nas
regiões elevadas da Mata Atlântica, entre o Sul de Minas Gerais e a
região serrana do Rio Grande do Sul.
No
extremo sul do país, nas campinas pampeanas, os índios gaicurus
desenvolveram uma técnica de surpreendente atualidade para a
construção de suas casas, chamadas de toldos.
Em se tratando de uma cultura caçadora, os
constantes deslocamentos se impunham como forma de sobrevivência.
Temperaturas muito variadas entre o verão e o inverno levaram-nos a
inventar uma forma de moradia composta de painéis desmontáveis.
Eram três paredes e um telhado que sobressaía na face que ficava
aberta. Dessa forma, cada toldo formava uma espécie de nicho que era
habitado por uma unidade familiar. A montagem desses toldos em fita
permitia a economia de painéis. Originalmente, esses painéis eram
compostos de um quadro de madeira vedado com um trançado de palha.
Com a introdução de animais de grande porte pelos europeus, a palha
foi substituída pelo couro. Essas casas serviam apenas para o
descanso e para o abrigo das intempéries. Conforme a temperatura, a
abertura era direcionada a favor ou contra o vento. No rigor do
inverno, os toldos eram voltados uns contra os outros, de modo que os
painéis do telhado formavam duas águas. Sob as saliências do
telhado, formava-se um corredor que dava acesso às diferentes
unidades familiares. As extremidades desse corredor eram vedadas por
portas de couro, criando um microclima interno com uma temperatura
mais elevada.
Todas
essas tipologias têm como característica a evolução autóctone,
ou seja, sem interferência de outras culturas. Uma das poucas
exceções é a das aldeias xinguanas, nas quais se verifica um
cruzamento de várias culturas e peculiaridades de diversos grupos
lingüísticos que foram adotados por tribos de origens diversas.
Suas casas são semelhantes às dos tupis, porém as extremidades são
fechadas por semicúpulas construídas à maneira dos Jês. Nessas
extremidades estendem suas redes e ali preparam suas refeições. Na
parte central da casa fica um jirau, onde são armazenados os
mantimentos e outros pertences, e o lugar de trabalho é dividido
segundo o sexo: os homens ficam com o espaço junto à porta que dá
para a praça, e as mulheres, do lado oposto.
O
número de casas varia de tribo para tribo, porém todas estão
dispostas de modo que cerquem a praça. Em meio a ela, de forma
excêntrica, está implantada a casa dos homens, na qual são
guardados os instrumentos musicais rituais e a indumentária
cerimonial. Diante dela há um banco em que são tomadas as decisões
comuns, especialmente as que digam respeito à caça, privilégio dos
homens. Pelo lado inverso, a agricultura é uma atividade exclusiva
das mulheres, e da qual os homens eventualmente participam na
abertura de clareiras necessárias para a plantação. Em razão da
distribuição de tarefas, o pátio cerimonial é reservado aos
homens, que as mulheres apenas utilizam quando são convidadas.
Inversamente, as mulheres circulam pela periferia das aldeias. Embora
as partes das casas sejam identificadas com a anatomia masculina, são
as mulheres que nelas passam a maior parte do tempo, já que os
homens só se recolhem a ela para dormir e para atividades
cerimoniais.
Essa
descrição sumária é válida para todas as aldeias do Alto Xingu.
Isso, no entanto, não quer dizer que cada aldeia não tenha mantido
sua individualidade. Noutros termos, cada povo manteve
características próprias no perfil das casas, na forma da casa dos
homens ou na implantação do cemitério no meio do pátio.
FONTE: ARQUITETURA POPULAR BRASILEIRA, GUNTER WEIMER
FONTE: ARQUITETURA POPULAR BRASILEIRA, GUNTER WEIMER
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