segunda-feira, 3 de outubro de 2011

TERRITÓRIO QUILOMBOLA


Quilombolas

As comunidades quilombolas são grupos étnicos – predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana –, que se autodefinem a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. Estima-se que em todo o País existam mais de três mil comunidades quilombolas.
O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o artigo 68, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. A partir do Decreto 4883/03 ficou transferida do Ministério da Cultura para o Ministério do Desenvolvimento Agrário/Incra a competência para a delimitação das terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, bem como a determinação de suas demarcações e titulações.
Conforme o artigo 2º do Decreto 4887/2003, “consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida”.
Em 12 de março de 2004, o Governo Federal lançou o Programa Brasil Quilombola (PBQ) como uma política de Estado para as áreas remanescentes de quilombos. O PBQ abrange um conjunto de ações inseridas nos diversos órgãos governamentais, com suas respectivas previsões de recursos, bem como as responsabilidades de cada órgão e prazos de execução. Dessas ações, a política de regularização é atribuição do Incra.

Autodefinição
É a própria comunidade que se autoreconhece “remanescente de quilombo”. O amparo legal é dado pela Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho, cujas determinações foram incorporadas à legislação brasileira pelo Decreto Legislativo 143/2002 e Decreto Nº 5.051/2004.
Cabe à Fundação Cultural Palmares emitir uma certidão sobre essa autodefinição. O processo para essa certificação obedece norma específica desse órgão (Portaria da Fundação Cultural Palmares Nº 98, de 26/11/2007). Clique aqui para consultar a lista de comunidades certificadas.
Para acessar a política de regularização de territórios quilombolas, as comunidades devem encaminhar uma declaração na qual se identificam enquanto comunidade remanescente de quilombo à Fundação Cultural Palmares, que expedirá uma Certidão de Autoreconhecimento em nome da mesma.

Ação do Incra
Por força do Decreto nº 4.887, de 2003, o Incra é o órgão competente, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas. Os estados, o Distrito Federal e os municípios têm competência comum e concorrente com o poder federal para promover e executar esses procedimentos de regularização fundiária. Para cuidar dos processos de titulação, o Incra criou, na sua Diretoria de Ordenamento da Estrutura Fundiária, a Coordenação Geral de Regularização de Territórios Quilombolas (DFQ) e nas Superintendências Regionais, os Serviços de Regularização de Territórios Quilombolas.
Com base na Instrução Normativa 57, do Incra, de 20 de outubro de 2009, cabe às comunidades interessadas encaminhar à Superintendência Regional do Incra do seu Estado uma solicitação de abertura de procedimentos administrativos visando à regularização de seus territórios.
Para que o Incra inicie os trabalhos em determinada comunidade, ela deve apresentar a Certidão de Registro no Cadastro Geral de Remanescentes de Comunidades de Quilombos, emitida pela Fundação Cultural Palmares. A primeira parte dos trabalhos do Incra consiste na elaboração de um estudo da área, destinado à confecção do Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) do território. Uma segunda etapa é a de recepção, análise e julgamento de eventuais contestações. Aprovado em definitivo esse relatório, o Incra publica uma portaria de reconhecimento que declara os limites do território quilombola.
A fase seguinte do processo administrativo corresponde à regularização fundiária, com desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território. O processo culmina com a concessão do título de propriedade à comunidade, que é coletivo, pró-indiviso e em nome da associação dos moradores da área, registrado no cartório de imóveis, sem qualquer ônus financeiro para a comunidade beneficiada.

RESERVAS INDÍGENAS

Direito constitucional
A Constituição de 1988 consagrou o princípio de que os índios são os primeiros e naturais senhores da terra. Esta é a fonte primária de seu direito, que é anterior a qualquer outro. Consequentemente, o direito dos índios a uma terra determinada independe de reconhecimento formal.
Não obstante, também por força da Constituição, o Poder Público está obrigado a promover tal reconhecimento. Sempre que uma comunidade indígena ocupar determinada área nos moldes do artigo 231, o Estado terá que delimitá-la e realizar a demarcação física dos seus limites. A própria Constituição estabeleceu um prazo para a demarcação de todas as Terras Indígenas (TIs): 5 de outubro de 1993. Contudo, isso não ocorreu, e as TIs no Brasil encontram-se em diferentes situações jurídicas.
Embora os índios detenham a posse permanente e o "usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos" existentes em suas terras, conforme o parágrafo 2º do Art. 231 da Constituição, elas constituem patrimônio da União.
E, como bens públicos de uso especial, as terras indígenas, além de inalienáveis e indisponíveis, não podem ser objeto de utilização de qualquer espécie por outros que não os próprios índios.

Demarcação

Objetivo da demarcação das terras indígenas é garantir o direito indígena à terra. A demarcação estabelece a extensão da área de usufruto dos índios e deve assegurar a proteção dos limites, impedindo sua ocupação por não-índios.
A demarcação obedece a um processo sistemático, segundo o artigo 19 do  Estatuto do Índioe regulado pelo Poder Executivo. Atualmente o procedimento é o estipulado decreto 1.775, de janeiro de 1996 e consta das seguintes etapas:

Estudos de identificação

É feito um estudo antropológico por antropólogo de competência reconhecida pela Funai a fim de reconhecer a terra indígena por um prazo determinado.
A seguir, um grupo técnico especializado, coordenado por um antropólogo e composto preferencialmente por técnicos da Funai, realiza estudos complementares. Este grupo realiza análises sociológicas, jurídicas, cartográficas, ambientais e um levantamento fundiário para definir os limites da terra indígena. O relatório a ser entregue à Funai deve conter os dados que constam na Portaria nº 14, de 09/01/96.

Aprovação da Funai

O relatório é então apresentado para apreciação da Funai. Caso haja aprovação pelo presidente da Funai, ocorre a publicação do resumo do relatório no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade da federação onde se localizam as terras, em um prazo de quinze dias. O resumo também deve ser afixado na prefeitura local.

Contestações

Todos os interessados podem contestar o reconhecimento da terra indígena, desde o início do processo até 90 dias da publicação do resumo no Diário Oficial. Para isto, encaminham à Funai suas razões e provas pertinentes. As contestações podem querer apontar vícios no relatório ou exigir indenizações. Após concluído o prazo de contestações, a Funai tem 60 dias para elaborar os pareceres sobre as contestações e encaminhá-las ao Ministério da Justiça.

Delimitação

O ministro da justiça terá 30 dias para encaminhar uma resolução que pode ser:
  • declarar os limites da área e determinar a sua demarcação física;
  • prescrever diligências a serem cumpridas em mais 90 dias;
  • desaprovar a identificação, publicando decisão fundamentada no parágrafo 1º. do artigo 231 da Constituição.

Demarcação física

Em caso de declaração dos limites da área, cabe à Funai a demarcação física. Ao Incra cabe o reassentamento da população não-índia que possa ocupar o local.

Homologação

Cabe ao presidente da República a homologação da terra indígena.

Registro

Após a homologação, o registro das terras deve ser efetuado em 30 dias no cartório de imóveis da comarca onde se localizam as terras e no SPU (Serviço de Patrimônio da União).

Situação no Brasil

Ainda segundo o ISA, grande parte das Terras Indígenas no Brasil sofre invasões de mineradores, pescadores, caçadores, madeireiras eposseiros. Outras são cortadas por estradas, ferrovias, linhas de transmissão ou têm porções inundadas por usinas hidrelétricas. Frequentemente, os índios colhem resultados perversos do que acontece mesmo fora de suas terras, nas regiões que as cercam: poluição de rios por agrotóxicosdesmatamentos etc.
Existem no Brasil 608 terras indígenas, com área total de 109.741.229 hectares ( 1.097.412 km²), o que representa 13% da área do país. Na Amazônia Legal, situam-se 98,61% das terras indígenas do país em 422 áreas. Ao todo são 108.177.545 hectares (20,67% da amazônia). Os 1,39% restantes estão distribuídos entre as regiões NordesteSudesteSul e estado de Mato Grosso do Sul.

quinta-feira, 29 de setembro de 2011

CULTURA AFRICANA - ARQUITETURA

Etnograficamente, a população negra está dividida em oito grandes linhagens assim distribuída: 1) os nilotas que são os mais bem conhecidos devido aos estudos realizados sobre o Egito antigo e que habitam a estreita faixa do alto vale do Rio Nilo; 2) os hamitas que habitam o assim o assim chamado “corno” ou “chifre” da África; 3) os nilota-hamitas que habitam os entornos dos grandes lagos da África central; 4) os sudaneses que ocupam a extensa faixa de terras habitáveis entre o Saara e o Golfo da Guiné e mais além, adentrando-se pelo continente em direção ao oriente, pelo lado norte da grande floresta equatorial;  5) os bacas, impropriamente denominados de pigmeus, que habitam a grande floresta tropical; 6) os bantos que se constituem na de maior número de integrantes e ocupam quase toda a região abaixo desta Floresta, desde o Atlântico até o Índico; 7) os koikoi, conhecidos pelos europeus de hotentotes, que ocupavam uma área muito grande no sul do continente, mas hoje estão reduzidos a uma estreita baixa entre o Atlântico e o deserto do Calahari, na Namíbia, e os san, mais conhecidos como bosquímanos, cuja história é semelhante à dos anteriores e que se deslocavam nas bordas do mesmo deserto, pelo lado oriental, entre o sul de Angola e o norte da África do Sul.

No contexto da arquitetura brasileira só interessam os bantos e os sudaneses porque foram eles que forneceram os imigrantes nosso país. Dentre eles, os bantos foram os mais importantes tanto pelo fato de serem mais numerosos como por se originarem das duas regiões mais importantes de emigração: a “costa” (Angola) e a “contra-costa” (Moçambique). Dentre eles, porém, não se deve excluir os que eram provenientes de Camarões, Gabão e Congo, como ficou demonstrado nos levantamentos por nós realizados.

OS BANTOS

A tipologia arquitetônica mais comum entre os bantos era a assim chamada “cubata (construção) de cone sobre cilindro” embora houvessem muitas variedades tanto desta como de outras formas construtivas. As principais características destas construções são: a) a existência de uma só porta “protegida” por um fogo; b) a ausência de janelas; c) uma cobertura vegetal; d) edificação sobre uma plataforma de altura variável conforme a cultura; e) edificações monofuncionais; f) paredes de uma variada gama de taipas ou de palha e g) moradias formadas pela composição diversas edificações independentes.



A tipologia denominada na África de “cubata de mocambo” (mocambo = cumeeira, ou seja, construção de duas águas) era pouco comum, e endêmica apenas na costa setentrional de Angola e em toda a ilha de Madagascar.


Uma das características mais específicas da arquitetura africana é o assentamento familiar em forma de kraal. Não foi encontrada uma palavra que traduzisse este conceito para o português. Um kraal é constituído por um terreno cercado que contém as diversas “cubatas”, locais de trabalho, a horta, as árvores frutíferas e de sombra (moradas de orixás), espaços cerimoniais, cercados de animais, etc. Por “cubata” deve ser entendido uma construção que abriga uma só atividade, como uma cozinha, um dormitório, uma sala de trabalho, um celeiro, um sanitário. Como cada “cubata” abrigava apenas uma função, um  kraal era formado por diversas construções. As principais características de um kraal são: a) cerca externa delimitando o terreno; b) existência de diversas “cubatas”; c) existência de uma única entrada; d) a construção principal é do “chefe”; e) uma significativa variedade de atividade exercidas ao ar livre; f) existência de locais de plantações e de árvores (frutíferas ou de sombra) e, por vezes, g) a existência de curral para animais.


 




A conjunção de diversos kraals formava uma aldeia cujo nome mais comum é a de “quilombo” que é a palavra quimbundo designativa de vila. Portanto, não tem fundamentos as conotações pejorativas que a palavra acabou por receber no Brasil. Aqui a palavra “quilombo” deve ser entendida apenas como  “aldeia de negros”.

A grande variedade de culturas da linhagem banto deu origem a uma igual diversidade de formas  urbanas dentre as quais devem ser destacados os quilombos devido a sua forma de adaptação ao Brasil. Via de regra, se tratavam de justaposições de kraals separados por uma via principal decorrente da divisão clânica interna da tribo.


Outra forma não menos importante embora mais rara  é conhecida como “sanzala”. Este tipo de aldeia é formado por uma rua central (aberta ou fechada nas extremidades) em cujos lados se agrupam em forma da fita, as numerosas “cubatas” que a integram. A ordenação das “cubatas”  justapostas em fita seguia regras fixas de separação das diversas clãs. 

 


Semelhante ao modo como se formaram os quilombos, as cidades bantas também resultaram da justaposição destes aldeamentos. Como a sociedade africana se caracterizava pela forte coesão tribal, era comum que as cidades se organizassem a partir de setores onde cada qual é constituído pelos habitantes de uma só tribo. Em outros termos, isso se materializava na forma de assentamentos cortados por poucas, mas grandes e largas avenidas, mais ou menos paralelas e ortogonais entre si, formando o que poderíamos qualificar de super-quarteirões.


 

Normalmente, cada super-quarteirão era dividido em quarteirões que podiam ser separados entre si ou por ruas ou por simples muros, por vezes, de considerável altura. Cada quarteirão se caracterizava por apresentar um limite murado externo e o acesso ao mesmo se dava por uma só entrada. Cada quarteirão se identificava pela tribo que o habitava, o que significava que em cada um deles se falava uma língua ou um dialeto que lhe era peculiar. Normalmente, cada quarteirão tinha uma rua principal que ligava a entrada até a praça central onde ficavam os edifícios mais importantes da comunidade. Dela e da rua principal derivavam rua pequenas que se bifurcavam em caminhos e estes desembocavam em vielas. Este traçado era bastante complexo e requeria algum conhecimento prévio para o deslocamento desenvolto através do mesmo. O casario, por sua vez, era formado pela conjugação de diversas construções ordenadas em torno de um pátio central e contornado por um cercado leve cujo modo de organização refletia claramente a estrutura do kraal rural com a diferença de ele era mais compacto o que, quase sempre, impedia a existência de uma horta, mas dificilmente deixava de existir alguma vegetação de porte seja por razões funcionais (o fornecimento de sobra e medicamentos) ou religiosas (habitação de orixás). Em regiões desérticas, evidentemente, a presença de árvores eram pouco significativa.

OS SUDANESES
Os sudaneses ocupam uma relativamente estreita faixa de terra entre o Saara e o Golfo da Guiné se comparada ao seu comprimento que se estendia do Atlântico às proximidades da região dos grandes lagos. Desde épocas pré-cristãs vem tendo contatos com as populações da África Branca dos quais sofreram algumas influências em razão das quais são, por vezes, e, equivocadamente, apresentados como sendo socialmente mais “evoluídos”. Suas tipologias arquitetônicas eram mais variadas devido à variedade dos ecossistemas em que habitam. Quanto mais próximos do Saara, nas regiões semi-desérticas, seus kraals eram mais compactos e fechados por muros altos cuja finalidade era proteger as construções dos ventos muito quentes do deserto. Este tipo de construção é denominado de “casas-castelo”.


Na região intermediária (de savanas) o clima é pouco mais ameno o que permite que os partidos fossem menos compacto e que as paredes de contorno dos kraals, menos elevadas. Comumente estas formas de kraals são denominadas de “casas-pátio”.


Na faixa litorânea, superúmida e de densas florestas, os kraals eram mais livres e abertos. Tipologicamente, havia uma grande variedade de formas – como, ademais, no resto da África – mas onde a porta colocada à direita da entrada do “mocambo” era largamente hegemônica ao contrário dos bantos, em que ela era, via de regra, colocada à esquerda. Como esta região apresentava uma costa provida de mangues e continha muitas lagunas e lagos, esta população aprendeu a construir suas vivendas em palafitas, sobre a água, pelo fato da temperatura ambiente ser mais baixa já que a energia solar era, parcialmente, convertida em vapor de água. Isso teve por conseqüência que a população destes aldeamentos pouco pisava em solo firme.


O nome mais comum dado aos aldeamentos sudaneses era “tabanca” que, em geral, eram mais complexas que as dos bantos. Em primeiro lugar, por serem mais antigos o que permitiu uma maior experimentação em sua organização. Ao contrário dos bantos onde as práticas religiosas assumiram um caráter mais doméstico, os sudaneses cultivavam “bosques sagrados” (no Brasil chamados de “terreiros”) periféricos ao aldeamento. Uma maior experiência na organização estatal fez com que as “tabancas” apresentassem uma organização interna mais próxima ao conceito de “zoneamento de usos” do urbanismo europeu. Em geral, a separação entre os diversos kraals era antes espacial do que físico de modo que a maior ou menor aproximação entre as “cubata” permitia identificar a individualidade de cada kraal.


O mesmo fenômeno também aconteceu com as cidades sudanesas. Também aí as cidades eram formadas pela justaposição de “tabancas” cuja formatação era facilmente perceptível por simples percepção visual. Também aqui, a estrutura tribal era o principal fator da organização interna das cidades. As figuras seguintes são da região semi-desértica, intencionalmente escolhidas por não apresentar vegetação e, assim, serem de mais fácil leitura visual. De forma ainda mais visível, estas cidades também eram divididas em grandes quarteirões que também podiam ser subdivididos onde cada fração tinham poucos acessos. Na maior parte das vezes, ele era reduzido a um único.


A ARQUITETURA AFRICANA NO BRASIL

Com a emigração forçadas para a América, os diversos povos perderam a sua identidade tribal (ganguela, quimbundo, etc.) para se transformaram em genéricos “negros” ao pisar em solo americano. O contato com uma sociedade de características completamente diversos das da África, fez com que as novas organizações sociais afro-americanas e afro-brasileiras, em particular, tivessem de se reordenar de modo bastante diferente das tradicionais. Adquiriram, portanto, características peculiares que podem ser especificadas – dentro da perspectiva dos objetivos da arquitetura – com as seguintes características: a) uma generalizada homogeneização por via da destribalização; b) a família poligâmica foi substituída - pelo menos, oficialmente – pela monogâmica; c) as diversas culturas regionais africanas tiveram de se readaptar a um meio multicultural; d) a manutenção de fatores culturais africanos só foi possível através de adaptações a novas condições interativas dos diversos grupos formadores; e) devido às condições em que se processou esta imigração, a religião acabou por se consolidar como principal suporte da africanidade.

A HABITAÇÃO

Traduzindo esta terminologia para a arquitetura, esta imigração teve por principal conseqüência a simplificação e diminuição das tipologias arquitetônicas. A forma hegemônica entre os bantos de construção de “cone-sobre-cilindro” praticamente desapareceu e foi substituída pela do “mocambo”. A extraordinária variedade de técnicas construtivas em solo africano sofreu um duplo processo de simplificação dos procedimentos africanos por via de sua maior eficiência sob o ponto de vista ecológico e de um procedimento de dupla-troca para com as culturas não-africanas (do colonizador e do ameríndio). Por outro lado, as construções africanas preponderantemente monofuncionais deram lugar as plurifuncionais como resistência à multifuncionalidade das construções do colonizador. Se as construções na África tinham, na maior parte das vezes, uma só porta como abertura, aqui as janelas – ainda que pequenas – mostram hoje terem sido amplamente aceitas.

Em alguns aspectos, no entanto, os africanos conseguiram manter os seus costumes que só ao longo dos séculos acabaram por encolher em seu significado. Referimo-nos especialmente, às atividades ao ar livre. Os viajantes do início do século XIX se deliciavam em representar as múltiplas atividades exercidas pelos negros nas ruas e nas praças de nossas cidades. Para eles, isso não passava de exotismos de um país tropical: certamente tinham dificuldade em entender que isso era um modo de vida africano que estava continuando a se perpetuar no país.

As tipologias arquitetônicas afro-brasileiras podem ser divididas nas seguintes categorias: a) casas isoladas; b) senzalas; c) enxovias e d) quilombos.

Já foi visto que as construções do tipo cone-sobre-cilindro virtualmente deixaram de existir sendo raras vezes utilizados mais por seu valor simbólico em construções específicas para sublinhar a africanidade de sua função como barracas de venda de acarajés e assemelhados. De forma absolutamente hegemônica, se impuseram as casa de “mocambos”, ou seja, de duas águas, o que não deve ser confundido com um tipo especial de construções de palha da periferia de Recife que recebem este qualificativo, embora estas tenham sido – corretamente – qualificadas como tais, mas, contrariamente ao que pensava Gilberto Freyre, elas muito pouco tem a ver com ancestralidade européia.

Mas esta adaptação não foi uma via de mão única posto que a arquitetura do colonizador também passou a sofrer influências das formas africanas de construir como foi o caso típico da grande divulgação das diversas formas de taipa leves nas construções dos colonizadores, uma vez que em Portugal as construções mais comuns eram de pedra e de taipa-de-pilão de origem norte-africana, dos berberes.

O KRAAL
Ao que nos consta, não há na literatura técnica brasileira referência ao conceito africano do kraal. Dentre os viajantes do século XIX, somente Robert Walsh o cita uma única vez e, assim mesmo, equivocadamente. Isso levou a que estudos sobre os mesmos tivessem tido pouco desenvolvimento. No entanto, em estudo recente (de 1998), Sheila da Castro Faria os descreveu partindo de inventários da época de transição entre os períodos colonial e imperial. Segundo esta autora, os sítios fluminenses eram fechados por cercados de limoeiros e continham diversas construções que formavam a residência, além de conter plantações e árvores frutíferas, o vem a se constituir numa perfeita descrição de um kraal  africano. 

Observações empíricas demonstram que os kraals ainda hoje se conservam em plena atividade, tanto em zonas rurais como nas cidades. O desconhecimento do conceito faz com que o kraal venha sendo confundido com “quilombo urbano” como é o caso do sítio da Família Silva, em Petrópolis, Porto Alegre, que se constitui no primeiro a ser reconhecido como tal no país após uma dura luta contra os interesses dos grandes empreendedores imobiliários.

A SENZALA
A forma mais estuda dentre as tipologias arquitetônicas tem sido a senzala, designativo que evoluiu da palavra africana “sanzala”. Embora relativamente rara na África (endêmica em algumas regiões do Gabão e de Camarões), ela encontrou solo fértil no Brasil e deu origem a muitas cidades brasileiras. Como exemplos podemos citar Serinhaém a Porto Calvo.

A fama das senzalas derivou do fato de ter sido empregada principalmente como habitação da mão-de-obra de engenhos e fazendas. Embora haja documentação da existência de senzalas de duas alas separadas por uma rua, como na África, a absoluta maioria das mesmas se reduziu a uma só, alegadamente, para favorecer o controle dos cativos. A mais antiga documentação sobre sua existência provém de fontes holandesas, mas é provável que elas já existissem antes do domínio batavo no nordeste.

Com a abolição da escravatura, as senzalas perderam sua função e somente as construções mais resistentes se mantiveram até nossos dias. Como a maioria era de consistência precária, de taipa e cobertas de palha, elas desapareceram. Por isso é-se forçado a recorrer a documentos históricos para saber de suas características no passado. E esta demonstra que as mesmas desempenhavam um papel muito importante  na configuração plástica dos engenhos.

AS ENXOVIAS
A palavra “enxovia” é de origem árabe e significa “prisão”, “cárcere”. Portanto, não é adequado para definir as moradias dos escravos domésticos. Mas é o termo que para tanto tem sido empregado. É provável que as enxovias existissem desde o início do sistema escravocrata, mas Roger Bastide pensava que elas teriam surgido durante o ciclo do ouro como conseqüência de um trabalho mais próximo entre escravizadores e escravizados.

OS QUILOMBOS
Os aldeamentos africanos foram muito variados em suas formas e dimensões. A denominação mais comum que receberam no Brasil foi a do termo quimbundo “quilombo” que nada mais queria dizer além de “aldeia”. Conotações como “covil de negros fugidos” etc. foram inventadas pelos escravocratas e que nada tem a ver com a origem africana do termo.

Um cuidado que deve ser tomado em relação ao termo é o de que o famoso “Quilombo dos Palmares” não era, de fato, um quilombo, mas uma federação de quilombos como, na época, era corrente região hoje ocupada pela Nigéria. Como pode ser visto no mapa reproduzido a seguir, Palmares eram uma federação de onze quilombos localizados na Zona da Mata, entre Alagoas e Pernambuco.

Ao longo da história, a formação de quilombos tem sido um processo continuado e incessante. Espera-se que a obrigatoriedade da elaboração de laudos antropológicos necessários para a concessão de títulos de propriedade aos “remanescentes de quilombos” venha a trazer novos conhecimentos sobre a dinâmica de sua formação e desenvolvimento. É evidente que a real extensão dos “quilombos urbanos” ultrapassa a capacidade financeira do Estado em proceder às desapropriações impostos pela constituição. Provavelmente, só na cidade de Salvador da Bahia cerca de três quartas partes da área urbana teria ser desapropriada para tal finalidade se a lei fosse respeitada.

FONTE: GUNTER WEIMER, ARQUITETURA POPULAR BRASILEIRA.

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

CULTURA INDÍGENA NO BRASIL - AS ALDEIAS


Frente à grande diversidade das culturas indígenas no Brasil, seria impossível estudar cada uma em particular, devido também (e principalmente) à precariedade dos dados disponíveis. Além do mais, a existência de uma tradição construtiva não significa necessariamente que se possa apresentar uma única solução arquitetônica. Com o passar do tempo, as formas arquétipas deram origem a uma série de variantes, o que faz com que o número das soluções se potencialize. Por isso nos limitaremos a algumas das tipologias já estudadas e que poderão servir de ilustração da grande variedade de tipologias existentes ou extintas.


A CASA-ALDEIA [HABITAÇÃO UNITÁRIA]

A forma mais simples de organização da aldeia é da casa unitária, em que toda a tribo vive num só teto. É o caso dos tucanos, que habitam a fronteira entre Brasil e Colômbia. Essa casa tem um formato retangular, com um dos lados menores fechado por uma semicircunferência. A cobertura é de duas águas, que chegam quase até o solo, permitindo a presença de paredes da altura de uma pessoa. A casa tem duas portas, uma na fachada principal, que da para o rio, e a outra nos fundos, dando para as plantações. O interior é dividido por biombos de folhas de palmeira trançadas, formando nichos. Cada nicho é ocupado por uma família nuclear, e distribuído segundo o status que a família ocupa na comunidade. A parte central da construção é dividida em duas partes fundamentais: a da frente, pintada de amarela, é reservada para os homens, e a de trás, pintada de vermelho, é própria das mulheres.




Outro exemplo de casa unitária é a dos índios pano, habitantes do Alto Solimões. A casa é implantada no alto de uma colina, e ao seu redor, em círculos concêntricos, situam-se o pátio externo, as roças e os limites da floresta. Junto à entrada principal existem dois longos bancos paralelos que servem para os homens e meninos fazerem suas refeições, assim como para as assembléias cerimônias de xamanismo. Depois dos bancos há um corredor espaçoso onde as mulheres fazem sua refeição. Também é o loval onde ocorrem os ritos cerimoniais. Em ambos os lados desse corredor/ sala há nichos onde são encontrados os pertences de cada família nuclear, como redes, fogão, cerâmicas e apetrechos de cozinha.

Os Marubos também apresentam uma habitação unitária, porém algumas funções complementares são transferidas para construções menores que circundam a casagrande. 




Uma forma um pouco mais complexa é apresentada pela casa dos Yanomâmis, habitantes da fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Também constroem uma casa unitária (Shabono), que abriga de 50 até quase 200 habitantes. A casa é queimada após dois anos de uso, por causa do apodrecimento das folhas ou o acumulo de insetos, assim como por motivos de ordem social, como os constantes reagrupamentos das comunidades que estão sujeitas a constantes agregações e separações de unidades familiares.








AS ALDEIAS COM HABITAÇÕES MÚLTIPLAS


A forma mais comum de assentamentos indígenas são as aldeias formadas por varias construções. A cultura mais estudada que adotou esse tipo de solução é a tupiguarani. Originária do médio Amazonas, essa cultura tem representantes desde o Alto-Solimões até as bacias do Paraguai e do Uruguai (onde são conhecidos como guaranis). O que tornou essa cultura a mais conhecida foi a crença no Mirá, paraíso terrestre tido como situado nas terras do sol nascente. Em conseqüência de vários movimentos messiânicos que surgiam “naturalmente” quando a tribo se tornava muito grande, uma parte da população iniciava peregrinação ruma ao leste que terminava com a chegada ao oceano. Não podendo mais continuar com a caminhada, acabavam por ocupar toda a costa, do Oiapoque ao Chuí, o que levou os europeus a acreditar que era a única cultura existente no país na época da chegada.

Aldeias semelhantes com as tupi-garani podem hoje ser encontradas na Amazônia e em pouco divergem de uma forma comum que é a existência de quatro construções, ortogonais entre si e ordenadas de modo que formem uma grande praça quadrada. Cada uma dessas casas é chamada de oguassu, maioca ou maloca (casa grande) e é dividida internamente pela estrutura do telhado em espaços quadrados de 6 metros por 6, onde mora em cada uma delas uma família celular. Esse espaço é denominado oca (tupi) ou oga (guarani). O tamanho de cada casa depende do tamanho da tribo, podendo chegar a mais de 200 metros de comprimento. O mais comum, no entanto, é que não passem de 150 metros de comprimento por cerca de 12 de largura. A forma de vida desses indígenas era dominantemente sedentária. Se uma casa ficava velha, era queimada e outra de igual formato era construída em seu lugar. Em razão disso, a forma de habitar era muito controlada, respeitando-se ainda a vivência dos demais habitantes da casa.




A casa era o espaço preferencial das mulheres. Ali elas exerciam suas atividades domésticas e no “corredor” central, junto aos pilares que sustentam a cumeeira, preparavam a comida. Ao fim desse corredor havia uma porta em cada extremidade da maloca, e no meio da casa, no lado que dava para o pátio, havia uma terceira. Essas portas eram baixas, obrigando cada indivíduo a se abaixar em sinal de respeito.

A praça central, delimitada por quatro casas-grandes, representava a unidade indissolúvel da tribo, e lá eram realizadas as cerimônias tribais. Em seu centro se reuniam os homens para decidir as atividades que seriam realizadas no dia, como a pesca e a caça, e por vezes abrir uma clareira, que servia para a prática da agricultura (de exclusiva competência feminina). As atividades exercidas pelos integrantes de cada sexo eram tabus, o que fazia com que uma parte jamais interferisse na outra.

Outras tribos lançavam mão de um número ainda maior de construções. Como o numero de integrantes de uma tribo era mais ou menos constante (entre 300 e 700 indivíduos, em condições normais), o número de casa era inversamente proporcional ao seu tamanho.

A construção de aldeias com um grande número de casas é uma das características do grupo Jê que pode ser exemplificada com a dos Xavantes. Esses índios habitavam aldeias formadas por duas a três dezenas de casas que se dispunham de forma semicircular, em torno de um pátio cerimonial denominado warã. A distância entre duas casas era de alguns metros, salvo a , a casa dos jovens em fase de iniciação, localizada numa das extremidades da “ferradura”, que mantinha uma distância dupla ou tripla das demais casas. As casas eram implantadas em terreno de chão batido, que também era o acabamento do warã. Entre essas duas faixas havia um gramado, cortado por trilhas que ligavam cada casa ao pátio cerimonial. Deste saía o caminho principal, para o rio, que ficava a certa distância. Esse caminho era muito utilizado tanto pelos homens quanto pelas mulheres, dada a importância do rio na vida da tribo. Pelo lado externo da “ferradura” havia grande número de caminhos que levavam as roças.




A casa xavante é de planta circular, com um diâmetro de cerca de 5 a 6 metros, e sua forma é de uma cúpula levemente apontada. Dada a complexidade de suas relações socioculturais, a vida dessas tribos exigia um alto grau de mobilidade, o que acarretava constantes deslocamentos. Por conseqüência, as casas tinham uma utilização curta, edificadas por meio de uma técnica muito simples, quase descuidada. Nesses deslocamentos, que podiam envolver toda ou apenas parte da tribo, instalavam-se acampamentos temporários que, por seu uso ainda mais breve, eram de uma feitura extremamente simples, embora conservassem a forma da aldeia-base para a qual toda a tribo retornava após as peregrinações. Esses procedimentos demonstram que a base de sustentação do grupo era a recoleta, cargo das mulheres, o que não permitia um grande desenvolvimento da agricultura. A caça (realizada pelos homens) era altamente valorizada, ao contrário da pesca, praticada esporadicamente.



Os índios Karajás, do mesmo grupo lingüístico e ocupantes das margens do rio Araguaia, desenvolveram uma forma de aldeia ainda mais complexa. Como o rio esta sujeito a uma época de cheias e outra de estiagem, no período das chuvas construíam casas de uma sólida estrutura, constituídas por 3 arcos paralelos, cada um formado por um par de varas fincadas no chão e vergadas para que possam ser amarradas, em suas extremidades, na cumeeira.



Essa casa era construída em duas filas, paralelas ao rio, e a uma distância mínima de 30 metros das barrancas do rio. Os primeiros 10 metros junto ao rio eram sombreados por grandes mangueiras, e o restante era usado para descanso e convívio no fim da tarde. As casas, cujo número podia exceder a meia centena, eram separadas por uma praça central de cerca de 5 metros de largura; o comprimento, que correspondia ao da aldeia, podia ultrapassar a distância de 600 metros. Apesar dessa centralização, cada casa tinha sua abertura voltada para o rio, que permanecia como centro referencial da vida da aldeia. Isso significa que, apesar da semelhança formal, essa “praça” não assumia função semelhante à de nossas ruas urbanas. A construção de casas era uma função exclusivamente masculina, muito embora a “propriedade” das casas fosse feminina e a ordenação delas na aldeia obedecida. Á semelhança dos Xavantes, cada casa era habitada por uma família extensa, formada por algumas poucas famílias nucleares.



Por suas dimensões continentais, o Brasil contém uma grande diversidade de ecossistemas, o que resultou no aparecimento de uma grande variedade de soluções arquitetônicas para a moradia. Uma das mais interessantes foi a das casas subterrâneas e semi-subterrâneas, espalhadas por toda a América. No Brasil foram construídas nas regiões elevadas da Mata Atlântica, entre o Sul de Minas Gerais e a região serrana do Rio Grande do Sul.

No extremo sul do país, nas campinas pampeanas, os índios gaicurus desenvolveram uma técnica de surpreendente atualidade para a construção de suas casas, chamadas de toldos. Em se tratando de uma cultura caçadora, os constantes deslocamentos se impunham como forma de sobrevivência. Temperaturas muito variadas entre o verão e o inverno levaram-nos a inventar uma forma de moradia composta de painéis desmontáveis. Eram três paredes e um telhado que sobressaía na face que ficava aberta. Dessa forma, cada toldo formava uma espécie de nicho que era habitado por uma unidade familiar. A montagem desses toldos em fita permitia a economia de painéis. Originalmente, esses painéis eram compostos de um quadro de madeira vedado com um trançado de palha. Com a introdução de animais de grande porte pelos europeus, a palha foi substituída pelo couro. Essas casas serviam apenas para o descanso e para o abrigo das intempéries. Conforme a temperatura, a abertura era direcionada a favor ou contra o vento. No rigor do inverno, os toldos eram voltados uns contra os outros, de modo que os painéis do telhado formavam duas águas. Sob as saliências do telhado, formava-se um corredor que dava acesso às diferentes unidades familiares. As extremidades desse corredor eram vedadas por portas de couro, criando um microclima interno com uma temperatura mais elevada.

Todas essas tipologias têm como característica a evolução autóctone, ou seja, sem interferência de outras culturas. Uma das poucas exceções é a das aldeias xinguanas, nas quais se verifica um cruzamento de várias culturas e peculiaridades de diversos grupos lingüísticos que foram adotados por tribos de origens diversas. Suas casas são semelhantes às dos tupis, porém as extremidades são fechadas por semicúpulas construídas à maneira dos Jês. Nessas extremidades estendem suas redes e ali preparam suas refeições. Na parte central da casa fica um jirau, onde são armazenados os mantimentos e outros pertences, e o lugar de trabalho é dividido segundo o sexo: os homens ficam com o espaço junto à porta que dá para a praça, e as mulheres, do lado oposto.

O número de casas varia de tribo para tribo, porém todas estão dispostas de modo que cerquem a praça. Em meio a ela, de forma excêntrica, está implantada a casa dos homens, na qual são guardados os instrumentos musicais rituais e a indumentária cerimonial. Diante dela há um banco em que são tomadas as decisões comuns, especialmente as que digam respeito à caça, privilégio dos homens. Pelo lado inverso, a agricultura é uma atividade exclusiva das mulheres, e da qual os homens eventualmente participam na abertura de clareiras necessárias para a plantação. Em razão da distribuição de tarefas, o pátio cerimonial é reservado aos homens, que as mulheres apenas utilizam quando são convidadas. Inversamente, as mulheres circulam pela periferia das aldeias. Embora as partes das casas sejam identificadas com a anatomia masculina, são as mulheres que nelas passam a maior parte do tempo, já que os homens só se recolhem a ela para dormir e para atividades cerimoniais.

Essa descrição sumária é válida para todas as aldeias do Alto Xingu. Isso, no entanto, não quer dizer que cada aldeia não tenha mantido sua individualidade. Noutros termos, cada povo manteve características próprias no perfil das casas, na forma da casa dos homens ou na implantação do cemitério no meio do pátio.


FONTE: ARQUITETURA POPULAR BRASILEIRA, GUNTER WEIMER